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Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo

O ELEMENTO NATURAL E O ELEMENTO ARTIFICIAL

 
 
A quem a visita, Castelo Rodrigo surge no cimo de um cabeço localizado próximo do Rio Côa e da Ribeira de Aguiar.
 
Cingida por alguns panos e torres da muralha medieval, Castelo Rodrigo foi sede do concelho. Albergou na alcáçova, durante a dominação filipina, o palácio do Marquês de Castelo Rodrigo, Cristóvão de Moura, conselheiro do cardeal-rei e agente da corrupção propiciadora das Cortes de Tomar. Por isso, após a rebelião de 1640, o palácio implantado no castelo foi assaltado e reduzido a escombros. Está, desde 1922, classificado Monumento Nacional. O imóvel arruinado representa, hoje, o testemunho da traição e da acção do tempo e do homem.
 
A ruína representa, aqui, um processo de construção da destruição da arquitectura onde a afirmação do espaço negativo concorre com a resolução do espaço positivo. Representa, ainda, um exemplo de transformação psicológica de um dado natural ou artificial que evoca a vitalidade do passado e afasta a caducidade de todas as coisas. Representa, finalmente, um objecto de reflexão histórica, filosófica ou arquitectónica ou, ainda, e apenas, um bastidor visual com uma grande capacidade interpretativa e subjectiva para o visitante.
 
A exaltação da ruína conduz os estudos e projectos a acções e actuações mínimas capazes de evidenciar e denunciar as qualidades e validades paisagísticas e arquitectónicas da estrutura existente. A ruína apresenta, assim, os valores que identificam e caracterizam a arquitectura, capazes de revelar uma organização e uma composição claras informadoras e formadoras de uma ideia de arquitectura. A proposta de intervenção acaba, assim, por absorver estes valores e associar o desejo de revelação e interpretação da história do monumento ou documento.
 
O elemento ou dado artificial funda-se e funde-se sobre o elemento ou dado natural. Os afloramentos rochosos de Castelo Rodrigo são prolongados e perpetuados por paramentos verticais que repetem, revelados e glorificados pela luz, o material e a cor, oferecendo uma diversidade de perspectivas e uma multiplicidade de planos.
 
A actuação absorve todas as acções mais ou menos notáveis ou úteis porque expressam a vontade do tempo e do homem que produziram uma ruína que testemunha uma traição. A acção estabelece, por isso, princípios para a valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo com a criação e dinamização de uma estrutura espacial e funcional que se disponibiliza para animar Castelo Rodrigo, reforçando a leitura dos seus espaços e procurando a glorificação e exaltação da ruína.
 
A proposta de intervenção observa e interpreta o registo de Duarte Darmas criando um acesso capaz de dignificar e enriquecer a leitura do monumento e do documento que se revela com carácter didáctico e lúdico. Este acesso multiplica e prolonga o tempo e a leitura de aproximação ao imóvel, estimulado pelo desenho monumental da porta principal do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo orientada para a Porta do Sol. O percurso proposto, criado com demolições efectuadas a Sul do monumento, permite, ainda, a recriação do acesso indirecto ditado pelas regras defensivas do imóvel.
 
Assim, a concepção propõe a consolidação das estruturas e a pavimentação dos espaços que acolhem e materializam esta ideia recorrendo ao granito e ao ferro, entre a tradição e a transformação dos elementos naturais e artificiais, assinando a contemporaneidade da acção.
 
A conservação e consolidação das estruturas recorre a levantamentos exaustivos que suportam as seguintes acções: eliminação de vegetação diversa, remoção de argamassas degradadas, execução de juntas, injecção de resinas e caldas diversas, execução de pregagens, impermeabilização dos topos dos paramentos verticais expressivos, execução de alvenarias e aplicação de revestimento incolor.
 
Os estudos e projectos são desenvolvidos e sustentados pelo levantamento fotogramétrico dos paramentos verticais que permite a identificação dos tramos destinados à consolidação. Permite, ainda, quantificar e orçamentar as diversas acções programadas e aprovadas pelo Instituto Português do Património Arquitectónico. Permite, finalmente, registar as actuações para documentação e avaliação futura. Paralelamente, realiza a recolha de amostras das argamassas de assentamento e dos rebocos dos paramentos do palácio para caracterização e identificação da intervenção. As argamassas propostas estão informadas pelos ensaios laboratoriais efectuados com vista à formulação e caracterização das mesmas. A intervenção propõe, ainda, a realização de ensaios de rotura por flexão e por compressão.
 
A intervenção decorre com a remoção da vegetação infestante, nomeadamente, da matéria orgânica acumulada e a eliminação de líquenes, musgos e algas. Prossegue com injecções de caldas de ligante com cal, cimento branco e aditivos diversos. As juntas das alvenarias dos paramentos são saneadas e incluem a remoção das argamassas de assentamento que se encontram degradadas. Seguidamente, as juntas são refechadas e os furos para injecção são efectuados. A consolidação decorre com a injecção de caldas de silicatos e de resinas poliester. Prossegue, ainda, com a execução de pregagens e com o levantamento de tramos de paramentos de alvenaria semelhante à existente. Os topos dos paramentos são capeados com argamassa de cal e cimento branco. Finalmente, a alvenaria aparente recebe um revestimento incolor.
 
A planta revela um espaço doméstico, organizado a partir de um eixo estruturador longitudinal quebrado por uma diferença de cotas que percorre os dois pátios para os quais se voltam e com os quais se relacionam os sucessivos espaços que ocupavam, antes, dois pisos. O desenho proposto reforça a concepção do espaço existente, denunciado pelas estruturas encontradas em 1992. O palácio é revelado e traduzido com a pavimentação dos espaços exteriores - acessos, pátios e cisterna - e dos espaços interiores - salas, quartos e capela - da sua estrutura formal e funcional. As diferentes texturas, mais nobres e macias do interior e mais pobres e agrestes do exterior, transmitem ao visitante as diferentes sensações e interpretações que se pretendem dar a conhecer.
 
A geometria rigorosa, ditada e encontrada na matriz existente convive com os afloramentos rochosos e denuncia a naturalidade do processo de continuidade anteriormente descrito, confrontando o vigor do natural e o rigor do artificial. Os pormenores propostos observam, ainda, as lições de arquitectura de Carlo Scarpa.
 
A primeira fase de intervenção, executada entre 1993 e 1994, consolidou as estruturas existentes evitando a degradação progressiva observada em 1992. A segunda fase, executada entre 1996 e 1999, implantou os pavimentos e preencheu os vãos do monumento. A terceira materializa, finalmente, o posto de acolhimento previsto na articulação entre o exterior e o interior do imóvel, responsável pela criação de condições de informação e de orientação dos visitantes concorrendo, assim, para o sucesso formal e, sobretudo, funcional da intervenção.
 
O Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo constitui, assim, uma surpresa para o viajante se visitar Castelo Rodrigo na primeira quinzena de Março, na fase da fugitiva beleza das amendoeiras em flor.
  • Imagem 1 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo
  • Imagem 2 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo
  • Imagem 3 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo
  • Imagem 4 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo
  • Imagem 5 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo
  • Imagem 6 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo
  • Imagem 7 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo
  • Imagem 8 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo

Imagem 1 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Imagem 2 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Imagem 3 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Imagem 4 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Imagem 5 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Imagem 6 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Imagem 7 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Imagem 8 - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

  • Maqueta - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo
  • Planta Geral - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo
  • Planta Posto de Acolhimento - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo
  • Alçado Posto de Acolhimento - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo
  • Porta Norte - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo
  • Escada Torre do Relógio - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo

Maqueta - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Planta Geral - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Planta Posto de Acolhimento - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Alçado Posto de Acolhimento - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Porta Norte - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Escada Torre do Relógio - Valorização do Palácio do Marquês de Castelo Rodrigo 

 

Autor(es)
João Rapagão e César Fernandes

Colaborador(es)
José Santos e estudantes de arquitectura Graça Diogo, Maria José Pato e Artur Alves (primeira fase)
Nuno Sampaio e Castro e estudantes de arquitectura Miguel Silva, Artur Alves e António Carlos Ferreira (segunda fase)
João Semblano Almeida, Miguel ângelo Diogo, Nuno Resende, João Gil, Ricardo Freitas e estudante de arquitectura Cristina Saraiva (terceira fase)

Especialidades
Óscar Prada Santos, Vítor Martins Rodrigues

Paisagismo
Luísa Genésia

Encomenda
Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo e Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico

Ano de conclusão
2001

Área geográfica
Figueira de Castelo Rodrigo